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terça-feira, 28 de junho de 2011

TELEMÓVEL

Um casal passa por mim. Ambos falando ao telemóvel. Falam, ela apreensiva e comedida, ele autoritário e exuberante. Fazem sinais para comunicarem entre si. Ele aponta o relógio de pulso a dizer que já é tarde, ela bate levemente no telemóvel e abre a mão em sinal de impotência. Ele estica o queixo em direção ao telemóvel dela a perguntar quem é, e ela abre a mão na direção dele a pedir que espere. E falam sempre para os seus contactos; ele autoritário, ela comedida. Passam por mim e dirigem-se para o parque de estacionamento. Antes de entrarem, cada um em seu carro, ele ainda aponta o indicador para ela e depois estica o polegar e o mínimo como se medisse a distância entre o ouvido e a boca, a pedir-lhe que lhe telefone mais tarde, e ela levanta o polegar a concordar.

Seguem cada um para seu lado, com a certeza que estarão sempre em contacto, porque é facílimo falar com as pessoas ausentes.

Quando terão tempo para sentir o tempo compartilhado como a água quieta de uma lagoa, e as palavras trocadas com todas as frequências da voz humana?

Alguém lhes diga que a voz humana não cabe na largura de banda de um telemóvel. Que a frequência que não se ouve e cria a ereção de todos os pelos do corpo precisa da intimidade sem intermediação; que o que a boca não diz e os olhos mostram se percebe apenas por uma diferença de estado de alma; que há coisas que se têm de dizer com o corpo todo e que precisam do corpo todo para ser entendidas.

Que alguém lhes diga que há um tempo para isso, e que depois esse tempo passa e fica um vazio que levamos para todo o lado; uma viuvez sem o conforto da saudade.

Manuel Bastos

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1 Comentários:

Blogger Manuela Curado disse...

Prática comum a que, confundida, tenho assistido.

7:05 da tarde  

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