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sexta-feira, 30 de julho de 2010

CAMINHOS DA VIDA

António Santos é cesteiro ...
Este texto, é um aceno de simpatia a alguém que não conheço. Chama-se Nuno Francisco, e é colaborador do “Jornal do Fundão”. Ao longo de muitos anos, tem-me proporcionado momentos de leitura que me preenchem o Tempo e a Alma. O fluir da sua escrita, a sua prosa muitas vezes em tons de poesia, transporta-me a outros lugares, fazendo-me abstrair desta jangada cada vez mais desertificada que se chama Beira Baixa. Aos poucos, os mais novos partiram para outras paragens. Ficam os resistentes. Aqueles que, a golpes de enxada, cavam os sulcos das suas próprias rugas e o Destino, quando a desilusão lhes tomou conta da vida, e o quotidiano não é mais que o fardo diário de sobreviver. Mas há os outros. Os resistentes da palavra. Os que não se calaram nem se calam. Os que, com a força da sua pena e a arte de alinhar as palavras, procuram um mundo mais justo, mais solidário, nesta aventura de viver. Há sempre quem se recuse a ser indiferente. Há sempre quem acredite na transparência das águas límpidas. E há dias, mais uma vez, Nuno Francisco, deu voz ao povo anónimo. À gente humilde. E, neste caso, aos que se recusam a dar-se por vencidos, e, atrás de um balcão, tecem os fios de uma memória remota, como quem fia o linho das suas próprias rocas. Desta vez, de profissões em vias de extinção. O jornalista, apresenta-nos Maria Carrondo. Bem mais de oito décadas de vida, seis das quais atrás dum balcão, numa taberna em Alpedrinha. A idosa recorda os fregueses que já não aparecem, dos “Cafés” que se assenhorearam de tudo. Da ginginha que ainda vai vendendo aos excursionistas que demandam a Serra da Estrela. Mostra, orgulhosa, uma fotografia que tirou com o Embaixador da Polónia, quando o ilustre estadista esteve de visita à Cova da Beira. Fala da sua saúde precária, e de que já não tem força para levantar os garrafões. Transfere o vinho para garrafas pequenas, a forma de ir amenizando o seu calvário. Os vizinhos, esses, não querem ver a velha taberna fechar. Nem ela. António Nunes dos Santos, vive em Alcangosta. É cesteiro. Desde os nove anos de idade que abraça a profissão, que lhe foi legada pelo seu pai. Na sua oficina de paredes frias, que contrasta com o calor abrasador que vem da soleira da porta, o artesão dá vida às aparas de madeira que trabalha com destreza. Há muito que o plástico veio competir com esta arte. Porém, o cesteiro recusa-se a deixar a sua profissão, e, ainda hoje, percorre feiras, vendendo aquilo que constrói com amor. E as pessoas compram. Muitas vezes, apenas para levarem para casa como peça decorativa. Recorda-se da época longínqua do ofício de cesteiro. Eram famílias inteiras, a trabalhar na arte. A voragem do Tempo, encarregou-se de aniquilar a profissão. Mas, António Nunes dos Santos, continua na sua labuta. Muita das obras que produz, são fruto da sua imaginação. Vai continuar a dedicar-se ao seu ganha-pão de sempre. Até ao fim. E nesta peregrinação por gentes da Beira Baixa, entramos numa drogaria de Aldeia do Bispo. Não resisto à prosa de Nuno Francisco que, em jeito de intróito diz: “ … longe, muito longe daqui, rodeado de coisas ao pendurão, está Joaquim Faustino. Tantas coisas para tantas utilidades, nesta loja em Aldeia do Bispo, Penamacor. Tantas caixas e caixinhas. Tantas coisas para desenrascar quem se vir enrascado. Uma drogaria é isso mesmo: para resolver berbicachos domésticos. Nesta pequena aldeia a banhos de sol, é na penumbra da loja que ele se mantém incógnito. Luz discreta lá dentro e sombra generosa à porta, tão suave que nos atrevemos a sentar cá fora num degrau de pedra …”. E de novo retomo o meu cirandar pelo artigo do jornalista, dando voz ao comerciante que diz em jeito de lamento “…antigamente fazia-se muito negócio, mas agora não se faz nada. Eu e a minha mulher via – mo - nos à rasca para atender o pessoal. Vendiamos fechaduras, ferragens, parafusos, tantas coisas. Agora passo aqui dias sem atender ninguém …”. Mas resiste. Naquela drogaria, atrás do balcão, passou cinquenta e oito anos da sua vida. E hoje, mesmo com o desencanto dos dias cinzentos, o Senhor Faustino lá está, a aguardar o cliente que há-de entrar e com quem, talvez, para além de uma caixa de pregos que vai buscar à prateleira, possa conversar de um passado distante, revendo de olhos cerrados e sentado num banco de pedra sob a noite estrelada, o desfiar de um rosário de recordações, como quem arranca ao caminhar do Tempo, pedaços de Sua própria memória…
Quito Pereira

2 Comentários:

Blogger RI-RI disse...

Continua!
Um abraço, Quito.

9:17 da tarde  
Blogger Manuela Curado disse...

Apesar dos tempos difíceis de outrora, o que me espanta são as saudades que os mais velhos e ditos necessitados, têm dos tempos antigos.
Sou costumeira na escuta de prolongadas entrevista aos sábados, pela manhã, na TSF.
Delicio-me com as descrições da vida do campo por esse Portugal.
Os mais velhos falam com pesar dos tempos modernos mas as gargalhadas saiem cristalinas ao lembrarem os tempos em que eram jovens.
Podia não haver muito para comer mas os dias corriam sob afectos e lindos momentos de entreajuda.

12:03 da manhã  

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