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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O ELOGIO DA CASTANHA ASSADA


Durante o ano que agora finda, disse-vos vezes sem conta: de novo regressei à Beira Baixa. E mais uma vez me repito. Assim é. Para trás, ficou a minha velha Coimbra e o prazer de, na noite da Consoada, reunir a família. Trocam-se prendas e sorrisos. Mitiga-se a saudade. Renovam-se os laços de afecto. Partilha-se a esperança de melhores dias. Depois, bem, depois é fazer a mala e de novo partir. Lisboa, Braga ou Castelo Branco de novo na rota da vida. Para trás ficou Coimbra. O meu, o nosso, porto de abrigo. Tal como num porta-aviões, partimos em missão. E um dia regressamos. À Lusa - Atenas. E ao Bairro…
Mas o que é isso tem a ver com as castanhas assadas, pergunta quem me lê?...nada, respondo eu... estou só a divagar…
Pousado sobre a secretária do meu escritório, neste dia frio e húmido de inverno, dedico-me a folhear o “Jornal do Fundão”. Na página dois, uma bela fotografia: árvores despidas, de ramos desnudados, desafiam a inclemência do tempo. A seus pés, um tapete de folhas acastanhadas, e a pequena frase: “O sentir é um tempo, cativo de uma perene sensação que vamos desfolhando. Foi por entre esta candura que o Outono partiu. Em saudade”. Gostei. Também eu, de quando em vez, dedico-me a brincar com as palavras. Dá-me prazer. Patético passatempo de um reformado. Mas há quem me leve a sério. No almoço de Natal dos “Cavalinhos”, o Jó-Jó passa por mim e diz-me: ” Óh pá, tu tens quatro olhos, dois cá fora e dois na alma, tenho que ler duas vezes o que escreves, para perceber onde queres chegar”. De copo na mão fico a olhar para ele, perplexo com aquela “tirada” do meu bom amigo da Praça dos Baloiços. Sem estar a trocar galhardetes sem sentido, a verdade é que o que o Jó-Jó escreve me deixa sempre a pensar. E a descodificar. A sua escrita é “demasiada areia para a minha camioneta”. Tive a oportunidade de lho dizer. Eu, tal como o Romeiro do Frei Luís de Sousa, não sou ninguém. Um rotundo zero. Ele, o Jó-Jó, não precisa de elogios. Os académicos, os amigos e a própria imprensa encarregam-se de o fazer…
Então e as castanhas assadas, pergunta quem me lê?... pois, não quero ser fastidioso, vamos então pôr as castanhas a assar…
E na página dezanove do “Jornal do Fundão” lá está um artigo sobre as castanhas assadas. Fala-se da tradição, do vendedor à porta do estádio do Sporting da Covilhã a vender o saboroso fruto, e da imposição legal de não poder ser vendidas em “cartuchos” de papel de jornal. E lá se foi a tradição das “quentinhas e boas”. Depois invoca-se Aquilino Ribeiro, que num dos seus romances dizia: “ as castanhas são tão bonitas com a sua oval fantasia, seu sépia de veludo, tão ternas quando espreitam juntinhas às duas, às três e até às quatro, inclusa a boneca, de ouriço arreganhado” (…). Também Miguel Torga se referia assim: ” mas o fruto dos frutos, o único que ao mesmo tempo alimenta e simboliza, cai dumas árvores altas, imensas, centenárias, que, puras como vestais, parecem encarnar a virgindade da própria paisagem. Só em Novembro, as agita uma inquietação dolosa, que as faz lançar ao chão lágrimas que são ouriços. Abrindo-as, essas lágrimas eriçadas de espinhos, deixam ver uma cama fofa e maravilha singular de que falo, tão desafectada que até o próprio nome é doce e modestoa castanha.”
Creio que esta era a melhor forma de fazer o elogio da castanha. Assada, de preferência. Tenho consciência que este texto é grande e chato. Aos resistentes que o leram agradeço o esforço. E já agora Feliz Ano para todos. Brindo à saúde dos amigos. Com jeropiga…e castanha assada.
Quito

9 Comentários:

Blogger RI-RI disse...

Mais um belo texto de D. Eurico, que não é peresbítero, para ler e saborear sentadinho no sofá.
Falta-me é a geropiga...

1:52 da tarde  
Blogger Chico Torreira disse...

Não haja dúvidas. Além da excelente exposição do texto, criaste uma divagação que deu pernas para mangas e como não querias perder tempo, ainda foste beber em Aquilino e Torga. Enfim, só toca viola quem tem unhas. Um abraço

2:46 da tarde  
Blogger DOM RAFAEL O CASTELÃO disse...

"Quentes e Boas" tal como as castanhas são as frases que compõem este teu texto.
Um abraço e continua!
Bom Fim de Ano e começo do que se segue!

3:58 da tarde  
Blogger Manuela Curado disse...

Pois vou fazer-te companhia nesta tarde chuvosa de Inverno.
Comprei hoje castanhas. Aí vai uma SAÚDE para ti e São, regadinha de deliciosa jerupiga.
Aconchegada e sob o seu calor, relembrarei a bela e romântica escrita de nossos escritores.
Gosto das tuas divagações. São queixumes, ânsias, prazeres,recordações, desejos e...tudo numa miscelânea que nos envolve, nos faz amar e crescer.

4:03 da tarde  
Blogger Carlos Falcão disse...

Quito,

Como exercício de prosa gostei do seu texto.
Agora, quanto as castanhas assadas, aqui ainda não as vi, e só de pensar nelas fico com água na boca pois só o cheiro... me faz pensar em Coimbra.

Como apareceu aqui , no nosso espaço internético, o Zé Redondo, boa gente, companheiro do rugby na A.A.C., umas castanhitas assadas com uma pinga de licor da Quinta do Meiral, até iam.

Ciao, até "pr'o" ano.

6:14 da tarde  
Blogger Quito disse...

Meu caro Falcão
Quando falei em castanhas não foi com o intuito de "martirizar" quem está fora...
Tens um dia que vir a Castelo Branco. Aproveitamos e subimos a Serra da Estrela. Tu de bicicleta..e eu de carro... ehehehee..
BOM ANO...

6:59 da tarde  
Blogger olinda Rafael disse...

Um beijinho para ti e para a São
mesmo sem castanhas e jeropiga!

BOM ANO!

8:29 da tarde  
Blogger aminhapele disse...

Gostei da "elegia",meu amigo.
Lembrei-me dos meus tempos de miudo,quando ia passar umas temporadas a S.Gião a casa de meus avós.Tinha castanhas na malga do pequeno almoço.
As castanhas,ao tempo,tinham o desempenho que hoje têm as batatas.
Por aqui,no tempo delas(este,ainda é),vamos assando castanhas em casa,num velho assador de barro(daqueles com buraquinhos e tudo) e ainda temos a nossa jerupiga!
Mas,parece-me,é tempo de dar umas castanhadas!
Bom Ano,amigo.
Um abraço.

2:11 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Quentinhas e boas!!!
Sempre envolto em grandes rolos de fumo o vendedor de castanhas assadas é uma profissão sazonal,em que nada já é como antigamente em que bastava ter um carrinho com assador e partir á aventura pelas esquinas e praças das nossas cidades.
Nos tempos actuais é necessário estar filiado na associação de vendedores ambulantes e cumprir todos os requesitos que o estado exije tal como o material ser em inox e utilizar folhas de papel branco ou sacos de papel apropriado para as embalar,em detrimento das famosas e lendárias folhas das páginas amarelas que fazem parte das recordações do nosso imaginário, até o prório carrinho carece de uma inpecção para ser aprovado.
Esperemos que esta profissão que é parte integrante da nossa cultura vá sobrevivendo e não seja mais uma profissão em extinção.

11:06 da tarde  

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