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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

OS MOREIRAS

Num tempo mais ou menos recente, o amigo Rui Felício contou-nos uma passagem da sua vida pelo exército, numa altura em que se sentiu “deportado” para Penamacor e ali conviveu com alguns camaradas de armas com feitios e formas de estar na vida muito peculiares, aquilo a que se chama numa sociedade conservadora … “desalinhados”.
Realmente o exército é uma escola de vida, aparecendo todo o tipo de gente, uns a quem achamos graça, outros menos graça e outros ainda, convenhamos, graça nenhuma…
Daqueles que me ficaram no pensamento, recordo-me agora do Moreira, que conheci em Canjadude, mas que não veio para a Guiné com o meu batalhão.
Cedo me apercebi que era um gabarola, espantando europeus e africanos com as suas façanhas, sendo da que mais se gabava, ser exímio jogador de bilhar. E então se fosse jogo a dinheiro era “vê-lo” ensacar “reais” em S. Mamede de Infesta, extorquindo o “vil metal” a todos que resolviam esgrimir tacos com ele sobre um pano verde…
Mas como no mato não tínhamos hipótese de comprovar tal façanha e de o desafiarmos para uma partida de bilhar, demos de barato e sem contestação aquele seu condão.
Apesar de todo aquele feitio fanfarrão, o Moreira tinha uma sombra negra. Um seu homónimo, um outro Moreira, que era nem mais nem menos que o pai da sua amada Filomena…
Dizia-me:
- Ó Pereira , o tipo não é “flor que se cheire”…como vês a mim nada me mete medo, mas eu só de me lembrar que lhe tenho de pedir a filha em casamento até tenho suores frios… sabes, fico complexado só de o ver…ponho-me de noite a pensar no discurso que lhe vou fazer e até tive uma ideia…
- Que ideia, pergunto?
- Olha tu podias fazer de pai dela e eu “treinava” o discurso contigo, a ver se eu me saía bem…
Meu dito meu feito.
Vamos para o meu abrigo, sento-me na borda da cama, ele numa cadeira e começa assim:
- Senhor Moreira…
Atalho:
- Ó Moreira mas que trejeito é esse de puxares os ombros da camisa para trás com as mãos, até parece que vais bater no homem!?..
Responde-me:
- É um jeito que tenho desde de pequeno, vou tentar corrigir… recomecemos…
As bagas de suor começam a alagar-lhe a testa e começo a perceber que ele está a viver o “drama “mesmo a sério…
Faço então o meu “papel”, traço a perna e olho para ele a franzir o sobrolho e digo…”o senhor quer então falar comigo”?
Mexe-se nervosamente na cadeira e diz-me:
- Senhor Moreira, …eu…eu…eu… como sabe namoro a “Ménita”… o assunto que me trás aqui é sério e delicado…
Respondo-lhe com um sorriso tipo “gorila”:…ai você é que é o “pardalão” que anda a “arrastar a asa” à minha filha????
- Então e o que pretende? …pergunto…
Cruza e faz estalar os “nós” dos dedos nervosamente, e sussurra com a voz a extinguir-se -lhe na garganta:
- Senhor Moreira , eu vinha pedi-la em casamento…
Inclino-me para a frente, fico cara a cara com ele e pergunto:
- Casamento? E o senhor tem condições para “sustentar” a minha filha? O que é faz? Qual a sua profissão?
- Responde-me:…. Sou furriel miliciano.
- Então e quando sair da tropa? …pergunto:
- Fico desempregado…
Ponho-me então de pé, “assumo” a minha condição de “pai” da Filomena e digo-lhe:
- Nem pensar!!!... um valdevinos como você que só tem jeito para namoriscar a minha filha e passa horas a fio a “depenar patos” ao bilhar na Cervejaria “Cristal” em S. Mamede de Infesta…nem morto lhe dou a “Ménita”..…
Levanta-se então e diz-me em voz alta:
- Não é essa a resposta que quero que me dês…quero que me digas que SIM !!!
- Respondo-lhe ainda mais alto…mas eu digo-te o que ele te vai dizer… NÃO…NÃO…e.. NÃO!!!
Sai furioso do abrigo e durante dois dias na parada olha-me de lado…e eu atiro-lhe com um olhar” carregado” de pai “herói”…
Ao terceiro dia vem ter comigo e diz-me:
- Amigo Pereira… és capaz de ter razão…quando for para a “peluda” vou ver se arranjo emprego e depois é que vou falar com o safardana do pai dela…parabéns…fizeste bem o papel dele…vamos beber uma cerveja…
Respondo-lhe:
- Vamos lá futuro… genro…
Será que este Moreira conseguiu convencer o outro Moreira a dar-lhe a mão da tão desejada Filomena?
Ainda hoje, volvidos tantos anos, dava dinheiro para saber…
Quito

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8 Comentários:

Blogger celeste maria disse...

Quito,com que então armado em mauzão!?

Fartei-me de rir a imaginar a cena.
Belo artista me saíste...

5:49 da tarde  
Blogger olinda Rafael disse...

Não há dúvida que tu atrais casos
sui géneres...até fazer de actor...
e a tua representação foi levada
ao máximo do realismo...

Resta-te ir a S. Mamede de Infesta procurar o teu "encenador"
Moreira...A GNR localiza-o!!!

Olinda

6:26 da tarde  
Blogger Rui Felicio disse...

Quem havia de dizer que o Quito era capaz duma destas.. Ganhaste mais uns pontos, pá!

Rui Felicio

6:33 da tarde  
Blogger Manuela Curado disse...

Nem quero acreditar!...
Desta façanha não te julgava eu capaz.
Quem sabe se não safaste o futuro daquele "mariola"!...
Belo puxão de orelhas.

7:18 da tarde  
Blogger Isabel Parreiral disse...

Mais um belíssimo texto que o Quito nos oferece.
Saboroso, faz-nos estalar a língua de gulodice pela vivacidade da descrição, pela facilidade com que nos consegue colocar directamente nas cenas descritas.
Desculpem-me a linguagem utilizada, mas um bom texto faz-me estalar a língua como se tivesse provado um dos melhores manjares e eu já estava ficar sequiosa destes banquetes.
Um abraço da Isabel Parreiral

11:13 da tarde  
Blogger Jottta Leitte disse...

Meu caro amigo Quito!

O Dom Rafael será o "fiel depositário". (?)

Um abraço

José Leitão

1:13 da manhã  
Blogger Carlos Viana disse...

Oxalá que o pai da Filomena tenha recusado dar a mão da filha ao "nabo" do Moreira. Pobre rapariga ! Esteve sujeita a que fosses tu a ter de explicar outras coisas...
Um abraço.
Carlos Viana

3:47 da manhã  
Blogger Manuela Dias disse...

Quito
És uma surpresa permanente.Também actor!...
Mas tal como tu,gostava de saber o resultado.
Nela Dias

2:00 da manhã  

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