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sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

RETRATOS DE VIDA

(Txico sapateiro)
Ao longo das mais de duas décadas com que vou calcorreando estas aldeias do Pinhal Interior, detenho-me hoje em Juncal do Campo, aldeia beirã que dista cerca de 3 quilómetros de Salgueiro do Campo.
A aldeia espraia-se por uma encosta solarenga, onde na Primavera apenas o chilrear dos pássaros viola a sinfonia do silêncio dos extensos olivais, tratados com carinho pelas mãos envelhecidas dos que na terra ficaram, já que a juventude partiu, levando na magra bagagem a esperança e a saudade numa maleta de mão.
A aldeia, como vos disse, estende-se preguiçosa pela encosta acidentada, com uma rua alcatroada e estreita, que serpenteia monte abaixo, com casas brancas e singelas de vasos floridos à janela.
Os seus habitantes são conhecidos por viverem no cimo do povo, no meio do povo, ou no fundo do povo, assim as suas casas se situem no ponto mais alto da aldeia, no meio, ou no sopé do monte.
No meio do povo, após uma curva apertada, deparamos com uma humilde casa, de branco caiada, com a chave de ferrolho na porta, sinal da confiança e até ingenuidade da humilde família que ali habita e que a todos recebe de coração aberto.
Ao lado, por uma outra pequena porta, sempre aberta, penetramos num pequeno compartimento de tecto baixo e de madeira, onde, pendurados em pregos cravados num barrote, encontramos sapatos e botas e a nossa dúvida se desvanece. Chegámos à oficina do “Txico” sapateiro.
No chão de cimento, uma braseira, que vai amenizando o frio dos rigores do inverno, e uma pequena banca de madeira, onde observamos martelos, sovelas , bisnagas de cola e caixas de pregos.
Num pequeno banco, sentado, com os pés para a lareira, um homem de baixa estatura, um ar repousado e um sorriso que amiudadamente se lhe afivela ao rosto. É o último resistente dos vários sapateiros da aldeia, que ,apesar dos seus 83 anos de vida, não depõe as armas e continua a trabalhar na arte.
Sento-me então junto dele, como tantas vezes o faço, e iniciamos o diálogo:
- Txico ainda tem muitos fregueses?...responde-me:
- Não amigo Quito, já trabalho para pouca gente. Por um lado as pessoas preferem comprar novo e barato…também já vejo mal…e não tenho materiais para trabalhar, pois as casas que me forneciam, todas já fecharam na Covilhã…
- Esta aldeia chegou a ter muitos sapateiros “Txico”???!!!
- Sim, chegámos a ser 12!!! Mas nessa altura não havia sapatarias e nós não só consertávamos como fazíamos sapatos e botas…
- Tempos difíceis “Txico”?...
- Muito difíceis. Tinha 9 irmãos e passámos muitas dificuldades a até fome…
- O que é que comiam?
- Pão e azeitonas, amigo Quito. De vez em quando um caldo de couves, e em dia de festa sardinha. Era uma sardinha dividida para cada três de nós….
- Começou a trabalhar cedo “Txico”?
- Aos 10 anos de idade fui para lavoura. Andei dois anos na escola, mas tive que ir trabalhar para ajudar a família a aos 15 anos comecei a aprender a arte de sapateiro…
Teve muitos fregueses “Txico”?
- Tive… catrino!!!...trabalhava para o Freixial, Barbaído, Caféde e até cheguei a ir ao Chão da Vã…
- Como é que entregava os sapatos? … pergunto..
- Ia no meu burrito. O “Preto” foi o meu companheiro de uma vida. Levava os sapatos em dois alforges e eu também “de riba” dele…eu trabalhava de Segunda a Sábado e ao Domingo ia fazer a entrega…era um dia inteiro, pois a volta era grande, saía de madrugada e chegava a casa noite fechada…
- Mas o “Preto” já morreu….
Aí o “Txico “ fica cabisbaixo, responde-me que sim, a acrescenta:
- Foi o meu companheiro de trabalho de mais de 30 anos. Teve um “nascido” (tumor) e morreu…enterrei-o no Vale dos Juncos e chorei… (os homens também choram).
- Bom, “Txico”não falemos em coisas tristes, atalho…
Levanta-se então e com aqueles olhos pequenos e leais, a transbordar de amizade diz-me:
- Ó “sôr” Quito, tenho lá em cima uma “pomada” de um homem se lamber, e se fossemos lá prová-la?
Não tenho por hábito beber fora das refeições, mas não posso recusar o convite àquele homem atencioso e amigo e digo-lhe:
- Vamos lá “Txico”….vamos lá então beber o nosso copinho…
Quito

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15 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Parabéns Quito!
Texto lindo e bem interessante.
Obrigada e um beijinho.
Juju.

11:53 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

qualquer dia és convidado para o Guia Michelin:))

só tenho pena de não ter aí a moto 4 para seguir os teus roteiros

CHICO

12:27 da tarde  
Blogger Jota disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

12:58 da tarde  
Blogger Jottta Leitte disse...

Realmente és um ESCRITOR de alto gabarito!
Do que estão à espera as Bertrand, Minerva, Babel, etc? Façam uma visita ao Senhor Eurico Pereira- Salgueiro do Campo.

Parabéns Quito!

Catrino!!? Como vai ser este país, qd este Portugal profundo e genuíno, com homens simples e humildes como estes TXicos´s...acabarem?

Um abraço

José Leitão

1:03 da tarde  
Blogger DOM RAFAEL O CASTELÃO disse...

Texto muito interessante.
Parabéns

2:02 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Peço desculpa por algum pequeno erro de pormenor...exemplo...dificuldades a até fome, deve ler-se, naturalmente..dificuldades e até fome...estou a negociar um contrato com um revisor de textos ehehehe

3:00 da tarde  
Blogger Manuela Curado disse...

O Sr. TXICO, fez-me vacilar...
Lindo texto. Bela descrição. Boa gente.
Deixa-te ficar por essas bandas, Quito...
Beleza, singeleza, pureza são tesouros a guardar.

3:01 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Continuo a gostar de te ler, pelos textos e pelos temas.Trazes o nosso verdadeiro pais e deixas o "convite" para irmos beber um copo contigo e com o Txico

5:47 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Ora,mais um retrato de vida
que o Quito "tirou" ao seu quotidiano beirão...lindo!

Fizeste-me viajar ao meu passado
de criança...quando estava na oficina do meu tio Albino,também sapateiro,a observá-lo a coser á mão com a "fabela" as solas dos
sapatos...e a saborear o cheiro da
graxa...

Olinda

7:02 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

bou bomitar

8:24 da tarde  
Blogger Ernesto Costa disse...

Quito,

Hoje ando a tentar por a leitura do blogue em dia. E há cada cada vez mais coisas para ler. Temos que definir prioridades. Por isso li o teu texto e nele encontro uma constante tua: a descrição (neo)realista da vida dos que foram ultrapassados pela voragem de uma outra vida. Sempre bem contado, mas com alguma tristeza, nostalgia. Eu sou citadino. Confesso ter alguma dificuldade em entender a vida rural. Entender no sentido dos afectos, não no racional. Admito que me falta a tua dimensão humana, o teu sentir solidário. Eu pecador me confesso...

Jó-Jó

11:06 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Quito
Li agora mesmo o teu belo texto.
Não te canses de amar essas pessoas que te falam de coração aberto.Tenho a certeza de que a tua amizade lhes dá vida.
Também eu bebia um copo,com esse amigo e, quem sabe, se ainda um dia vamos brindar,pelo sucesso de um Livro com os teus "Retratos de Vida".
Nela Dias

12:08 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Quito,
Por vezes o Cavalinho dispara em galope e eu, mais pelo pecado da preguiça do que por qualquer razão válida, não consigo acompanhar a sua vertiginosa velocidade. Mantendo-me a trote, consigo ler o que por cá vai aparecendo mas nem sempre fica espaço para comentar.
Toda esta conversa para te dizer que nunca deixo de ler o que escreves e, se não comento, não é por falta de interesse mas sim pela minha falta de pernas para acompanhar a corrida.
Gosto do que escreves, como escreves e daquilo que descreves. Trazes sempre, com a simplicidade que te caracteriza, uma aragem refrescante, seja das gentes da nossa terra, seja das nossas terras que são de toda a gente.
O teu texto permitiu-me provar a "pomada" do Txico que era excelente, conhecer Juncal do Campo e os seus habitantes.
Obrigado.
Um abraço.

3:01 da manhã  
Anonymous Anónimo disse...

Mais uma bem descrita,história de vidas.

Realidades desconhecidas!
Porém reais,que partilhas connosco,Quito.

5:06 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

ôi,Quito!
Tenho andado com pouco tempo para o blog e desta maneira, limito-me a comentar o que se torna inadiável, por isso só agora li este teu texto.
Sem dúvida, que escreves com uma simplicidade enorme e ao mesmo tempo com um gosto pelo pormenor, que consegues transportar-nos para o local que descreves com tanta sensibilidade e afecto,ficando ao mesmo tempo ávidos por tudo ler, tão agradável é a tua escrita.
Continua, Quito, vai fazendo-nos sonhar com lugares e gentes que não conhecemos, como se um romance lêssemos...
Um grande abraço
Olga

8:26 da tarde  

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